quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

esquartejaste todos os pequenos detalhes que eram meus.

por todas as tuas palavras. pelas permanências constantes sob uma ausência que nos é unânime. e por todas as vezes que perdoei falhas em ti. destroços de ti. duplas faces. desilusões sob ilusões construídas. por todos os momentos concedidos em que manifestei o incondicional valor do perdão. tudo sob rasgos de uma pele que nunca conseguiste despir. sob as fendas de uma convivência que ambos sabíamos ser finita. conhecíamos essa noção. por cada parte tua que eu conservo em sobressalto. construímos tudo sob papel. laminado. apodrecido. desprovido momento em nós. esquartejaste todos os pequenos detalhes que eram meus. colocaste tudo em termos que eram impróprios, esqueceste de amar tudo o que eu havia amado em ti. tudo o que nunca quis amar em ti, que amei genuinamente de ti. por ti. para ti. sufoquei-me em cada golpe teu. sempre em seco. encerrei em ti aquilo que dei a conhecer, como que se quisesse manifestar-me em cada gesto que era teu. eu digeri fraquezas que presumi serem forças. alimentava-me sem reagir à sensação de perda que deixavas a meu lado quando acordavas de manhã. tudo o que cedia era-me depois retirado, ou simplesmente não-retribuído. hoje penso que te quero perto. por ter saudades da tua presença, não por acreditar que me poderei alimentar novamente. não acredito em ti. preparei-me dia após dia para o dia em que vou sangrar novamente no chão da casa que nunca construímos. no valor de tudo o que não temos. na paz que não acreditámos e em todas as impossibilidades de um futuro.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

escondeste em meios termos.

agora não me apetece falhar. não me apetece falhar num momento em que eu acredito. não me permito recuar numa perspectiva da qual eu conheço todos os "se's" e interrogações. não pretendo comandar uma falha que é tua, por não ter mantido o que em mim é habitual. em mim existe a vontade de querer um início, de propagar um meio e não sentir um fim. em ti existe um mundo que eu controlo só às vezes, onde frequentemente me perco e onde em ti não sei estar. não aprendi a estar. estremeci enquanto lá estive. fugi a meio percurso sem conhecer no final todas as coisas que são boas e só a ti te pertencem. que são o que tu és. que escondes-te em meios termos e não desvendaste por opção.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

pertence ao-teu-lugar.

faz parte perderes o rumo em ti. às vezes faz parte. às vezes faz parte perderes-te no mesmo lugar onde havias encontrado o que pensaste ser um futuro. e faz parte voltar a procurar um presente num lugar desconhecido. faz parte modificar tudo à tua volta. o que sentes. o que pensas que sentes. o que queres sentir ou o que te imaginas a fazer. faz sentido que nada seja como imaginaste, para que seja verdadeiro. inato. e Teu. sempre Teu no final. somos sempre nós que construímos a ocasião. a favor da sorte que nos é concedida. a favor de alguém que o acaso nos quis oferecer. e às vezes faz parte não saberes bem onde esse Alguém pertence, mas saberes que pertence ao-teu-lugar. por mais que não o conheças. mesmo não sabendo ainda, pertence algures a um lugar que por consequência também é teu.

domingo, 8 de dezembro de 2013

linhasescritasporquemsabeoquediz.

que não Arrefeça em Nós. que não arrefeça em nós nem a luz nem o fogo, que a fome entardecida pela penumbra da fadiga dos olhos nunca renuncie ao sabor dos frutos ou à febre da sede dos lábios. 

assim se faça tudo, amor, à medida do que se ama, que o corpo prostrado pelo êxtase não conhece tréguas nem assombro. 

desenha-me na paz dos azulejos com o meu perfil de ave anoitecida e inaugura no meu peito a festa circular dos dedos, tatuando ilhas em redor do coração. 

esquiva, demoras-te no verso o instante de lume de uma revelação 

e quando voltas é sempre com uma promessa de partida. quando partes é sempre com um anúncio de caos, de temor na clara água do olhar. deixo-te agora amar, indefesa, para resgate da alma.


 .José Jorge Letria.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

sophiademellobreynerandresen

'É-lhes longínquo o sol quando os consome. É-lhes longínqua a noite e a sua fome. É-lhes longínquo o próprio corpo e o traço, que deixam pela areia passo a passo.

Porque o calor do sol não os consome. Porque o frio da noite não os gela e nem sequer lhes dói a própria fome. É-lhes estranho até o próprio rasto. 

Nenhum jardim, nenhum olhar os prende. Intactos nas paisagens onde chegam só encontram o longe que se afasta. O apelo do silêncio que os arrasta, as aves estrangeiras que os trespassam e o seu corpo é só um nó frio. Em busca de mais mar e mais vazio.'


sophiademellobreynerandresen.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

veias inchadas de suores frios.

não estava certo. e tudo o que eu gostaria era que estivesse certo, alinhados e certos. nunca esteve. não esperes nunca que esteja certo. sempre achei que mais dia menos dia fosses uma sombra para mim inalcancável, com a qual não saberia conviver. hoje tenho-te lado-a-lado sob um plano esquecido que não suporto ver exposto e ao descoberto em qualquer lugar. não consigo que seja o plano certo. Nunca. evaporas-te do local por mim escolhido. atravessas-me o espaço próprio num consumo de horas a fio. fico sempre sem pinga de sangue. veias inchadas de suores frios que corpos quentes conseguiram levar. sei agora desta anemia, identifico-a em cada passo teu. conheço o vazio das forças. anseio o êxtase de uma reposição por ti. perdi toda a indiscrição. não me importa que não saibas o que me chamar, o que pensas chamar e o que vais chamar um dia. vou sair perdedor. saio quase sempre perdedor, mas recupero. Alcanço. Faço ferida. Curo. Mas eu recupero. quem sabe o que aconteceria se um dia fosses tu o alvo. quem sabe se esse lugar nunca te pertence porque na antecipação eu o ocupo por ti. sempre por ti. 
Quase sempre é o tempo. é o tempo em que te deixo pensar que sou eu quem sai sempre a perder.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

largar a minha mão de te agarrar.

hoje foi aquele dia em que rabisquei o teu nome sob a pedra da calçada, para me lembrar de ti sempre que por lá passar. foi ali que te deixei. lembrar-me-ei de ti apenas naquele lugar, não te trago mais comigo. apenas rabisquei, não te deixei escrito. rabiscos não são marcas, são sombras em papel. és agora uma sombra que se encontra presa em mim. Existem manhãs onde recebo tudo. manhãs essas nas quais nunca fiz questão de te pedir nada, nunca faço questão de te pedir nada. nunca farei questão de te pedir nada - que isto seja clareza em ti. mesmo assim são manhãs em que recebo sempre tudo. Proclamas as noites por entre espaços vazios, em que eu próprio me tento encontrar por detrás de tudo o que já deixei esconder. por detrás de todos os actos irreflectidos de uma personalidade que as vezes é a minha e outras vezes não. por medo e receio de te negar uma vez mais. E este és tu, nunca eu. transitei-me. moldei-me. reflecti-me. deixei-me e encontrei-me. perdi-me e regressei sempre segundo acções que eram as tuas e deixei que doesse até não aguentar mais dor. até que não tivesse mais nada pelo qual fosse possível sentir-me ausente. hoje e agora manifesto-me, mas num presente junto a mim. sei que querias reter-me à tua maneira, mas querias. e eu só queria que tu quisesses. mesmo querendo, permiti-me largar as amarras, soltar-me deste lance que vai e volta, largar a minha mão de te agarrar. seria incapaz de querer uma vez mais, seria insensato acreditar que me segurasses em ti, mesmo que eu fosse a tua melhor hipótese. mesmo que eu representasse a outra metade ideal. mesmo que fosse comigo uma totalidade exemplar que deveríamos dar a conhecer. a credibilidade do tacto em ti não teria valor. estaria emaranhada em pedaços de nada, que eu havia deixado para trás, junto a cada lugar-comum. foi assim, rabiscando por entre pedras da calçada que hoje eu larguei a minha mão de te agarrar.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

por tanto e igualmente por tão pouco.

percebes agora no teu reflexo o que deixaste perdido em mim. percebes que a insistência me trouxe para longe e que qualquer acção tua se traduz em medo de amar o que jamais pensaste amar. eu estou quando quiseres que eu esteja, apresento-me quando me introduzires em cena e interpreto o meu papel principal, sempre por ti e em ti. mas também sei quando ir embora. sei a ausência, conheço-a em sangue e por detrás da minha vontade de estar perto. sei de todas as vezes em que se torna necessário não querer estar. ver-te de longe numa sedução de olhares. sei olhar para ti e fazer-te querer. tanto quanto sei mostrar o quanto te quero em mim, sempre que precisares de acreditar em nós. sempre que precisares de acreditar que eu acredito no que sou e em quem consigo ser. nunca te vou querer inalterável, muito menos inofensivo, quando sei que isso me leva a perder o pouco que me encontro em ti. o pouco que me deixas sempre ter. o quanto quero desenvolver do pouco presente. o quanto se transforma quando o teu beijo se faz sentir na minha pele fria | aquecida por ti | destruída por nós | amada por tanto e igualmente por tão pouco | 

domingo, 17 de novembro de 2013

em cada lance teu.

perdi coisas em mim. acumulei perdas sucessivas na sequência de tudo o que me agitava os dias e convertia em caos o que julgava ser determinado. perdi. perdi, em oposição a tudo o que acreditava, as crenças de que podemos modificar o que é característico de algo que entendemos susceptível. corrompi todos os detalhes incluídos em cada lance teu. viciei-me em desistências e promovi o meu sucesso. manchei qualquer papel em branco onde eu havia pensado escrever um dia, para não voltar a acreditar que talvez o pudesse fazer mais tarde. Nunca o fiz. Mantive-o sob a sombra daquilo que eu pensava ser. num local que julguei ser o mais indicado. claridade anulada e ausência de quaisquer reflexos teus. E nunca mais o encontrei. não o procurei onde o tinha deixado e sempre que o pensava fazer aniquilava qualquer intenção. Hoje subsistem apenas recordações. Insistem acordadas transições onde pertences, que nem mesmo a tua morte conseguiu ainda cessar. e assim te manténs vivo por aqui.|preso a cada lance meu|

terça-feira, 12 de novembro de 2013

a ínfimos passos de me chegar ao coração.

deixa-me levar tudo comigo. não te peço que simbolize para ti um vazio, peço-te o tudo que a mim me pertence. todos os pequenos detalhes que nunca foram para ti mensuráveis. tudo o que nunca quiseste representar, nem mesmo viver. tudo o que esqueceste que foi um desejo, mesmo que o tenha sido um só segundo. e desculpa-me se hoje te peço que os procures, para que depois os deixes por aí. mas eu preciso levar tudo comigo. se há alguém que lhes deu importância então esse alguém fui eu. sim, eu. nunca vês uma pessoa que possa dar importância a coisas tão indefinidas, das quais me mostro tão distante … mas que se encontram a ínfimos passos de me chegar ao coração. eu tenho um. e para além de o ter eu também acredito nele. procuramos perdermo-nos, todos nós. procuramos uma vontade absurda do consumo de todas as forças na pureza de um momento. procuramos sentir que somos um, quando sob um nada existe alguém. todos queremos essa bagagem de tudo. para que um dia a possamos abrir ante um início. um início que pretendemos cobrir de outros fins. fracassos. falhas marcadas. precauções precisas e avisos anteriores. como que marcas soluçadas sob passados que nos são comuns.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

nunca foram transparências iguais.

deve, ou devia ser o que o tempo nos deixasse escolher como destino possível de amar. deve, ou devia acontecer sempre que o calor amolece o coração gélido dos tempos que nunca foram transparências iguais. deve, ou devia ser a tua impressão digital a enterrar na carne o desejo presente em incoerentes pensamentos que um dia já foram meus. deves, ou devias estar comigo para o relatar. devias. devias mesmo estar comigo para o relatares. devias estar e presentear a desistência de alguém que tanto te quis aqui. transcendo-me na minha própria posição, quando recuo em mim e tento entender-me como sou perante alguém que nunca quis ser. E mesmo hoje sem acreditar, sei que sou eu na inocência dos retrocessos. sei que sou eu quando me falta a força. e sei que sou eu quando me volto a embalar. é por poupares nas palavras que nunca saberás o que tanto te quis dizer, o que sempre quis provar, quem quis que tu tivesses sido.

Al Berto, visita-me ao acordar.

'maravilhar-te as insónias com o paciente crepúsculo da idade. acordar fora do corpo, esquecer o olhar. sobre o pêlo ruivo dos animais beber o fulgor das estrelas no esplendor da alba. nomear-te, para recomeçarmos juntos a vida toda. ensinar-te o segredo dos alquímicos minerais. acender-te um pouco de culpa, na imatura paisagem do coração. eis a travessia que te proponho: amanhecer sem querermos possuir o mundo e no orvalho da noite saciar o desejo adiado. respirar a música inaudível das galáxias. sentir o tremeluzir da água no medo da boca. o amor deve ser esta perseguição de sombras. esta cabeça de mármore decepada. ou este deserto onde o receio de te perder permanece oculto na sujidade antiga dos dias.'

sábado, 2 de novembro de 2013

herói em horas vagas.

| as esferográficas sujam as pálpebras das palavras, constelando os textos com belos gatafunhos. estamos deitados à espera que se dissipe o sono e despertem, na dobra do lençol, os fantasmas quotidianos. o texto autobiográfico irrompe, quase sempre, nos momentos de ócio, nas paragens. | escrevo-te para não me sentir só. risco a palavra capaz de revelar o meu segredo. terei segredos? revelar o quê? se posso rir de mim mesmo sem que isso me doa. apago rapidamente o texto que me reflecte. esfaqueio o rosto que me simula. alinhavo feridas nos pulsos. levo flores à sepultura onde me recolhi para escrever. tenho medo e escrevo-te cartas insensatas. o quarto povoa-se de corpos nascidos duma mancha de tinta. fumo. snifo. fumo cigarro atrás de cigarro. tenho medo. escrevo deitado à luz fraca do candeeiro. o medo solta-se da folha de papel quando o teu reflexo irrompe da máscara que se desfaz. |O.Medo|Al Berto|

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

que nunca estejas aqui.

Tenho medo que nunca estejas aqui. As vezes tenho o medo | de noite as vezes tenho o medo que nunca estejas aqui. E tenho o medo que nunca te saiba manter por aqui. Tenho o medo que nunca me ensines a preservar o que te faz querer estar aqui. Tenho isso tudo, tenho isso tudo quando de noite não há nada teu por perto. Cheiro. Toque. Calor. O sorriso que é o teu. Nunca houve, eu sei que nunca houve. Mas tenho o medo que nunca chegue a estar por aqui.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

no decorrer de um abraço teu.

Abraça-me. Fá-lo agora, que o silêncio não me deixa dizer-te o quanto te procurei por onde te deixei partir. Abraça-me, agora. Porque agora ninguém nos observa. E "nós somos tão diferentes quando estamos sozinhos". Abraça-me, sem que eu perca a noção que poderá, eventualmente, ser finito & momentâneo. Tive sim, tive o medo de conhecer o que poderia encontrar em ti. O que poderia encontrar em ti que, mesmo "sem química inicial", mais tarde me poderia alimentar os dias e melhorar noites em que abraçar-te seria um desejo primordial. Abraça-me, abraça-me porque soltei o medo e deixei ficar tudo o que nos poderia fazer sorrir. Deixei que ficasse o que é nosso, o que não é mas poderá ser um dia, e até permiti que se mantivesse a constante sensação de poder perder tudo num segundo. E não há problema, é meu, teu e pertence-nos. Só por si merece uma oportunidade de ficar. Digo-te hoje ao ouvido: 'abraça-me, mas fá-lo agora. Porque agora acredito em consciência. Acredito Que tudo o que vivo é proporcional ao que eu mereço. Acredito Que se há algures algo à minha espera, prefiro arriscar ao invés de nunca partir por medo da possibilidade de ser uma viagem sem destino. Acredito Que se merecer viver algo, vivê-lo-ei no decorrer de um abraço teu. Abraça-me. Por favor, abraça-me agora.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

descritos em oposição.

Todos merecemos amar pela primeira vez. Todos merecemos o nervosismo provocado por alguém que ainda não conhecemos quem é, nem mesmo o que representa em nós. Todos merecemos vivê-lo da melhor ou pior forma possível. Todos merecemos amá-lo, bem como odiá-lo, como só nós o conseguiríamos amar e odiar. Todos conhecemos a ínfima distancia que separa dois sentimentos descritos em oposição, tantas e tantas vezes, por quem não conhece nenhum dos dois. Todos nós merecemos sorrisos rasgados sobre lágrimas de frustração. Todos o merecem, ninguém sabe o porquê. Porque é de tudo que somos feitos. É de medos que construímos fortalezas e é de almas perdidas que o inferno está repleto. Porque é de veneno que alimentamos os dias e porque são as mãos-dadas sinais de cura momentânea. Porque merecemos viver a euforia e o drama. Porque nos devemos perder nos braços de alguém, mas não merecemos acreditar que será um ato eterno.. Tem um fim. Talvez um retorno antes. Mas sempre um fim. Quem acreditar no contrário, tem ainda metade da história por viver.

sábado, 10 de agosto de 2013

de quando a quando.

Nunca conheci o lugar por detrás de todos os caminhos que me fazem estremecer ao acordar. Exploro-os de quando a quando, mas jamais os conseguirei perceber. Jamais os poderei controlar. Insanos e perturbadores, como uma manhã sob a ansiedade dos dias. É impreterível que o ser indomável que és não se deixe afundar por ilusórias maneiras de ser. É indispensável que tudo seja verdadeiro. Que o teu eu seja puro. Que nada seja um imaginável ser que crias sempre a favor de uma protecção congénita, com medo do quanto poderá doer no final. Alguns de nós não nasceram para ser domados. Ao invés, vivem para ser livres até embater em alguém tão indomável quando o seu índole.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

mais impossível do que a vida.

'Se te aprendessem as minhas mãos, forma do vento a cevada pura, de ti viriam cheias as minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses na minha espuma, que frescura indecisa ficaria no meu sorriso? No entanto és tu que te moverás na matéria da minha boca, e serás uma árvore a dormir e a acordar onde existe o meu sangue. Beijar os teus olhos será morrer pela esperança. Ver no aro de fogo de uma entrega a tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus, será criar-te para luz dos meus pulsos e instante do meu perpétuo instante. Eu devo rasgar a minha face para que a tua se encha de um minuto sobrenatural, devo murmurar cada coisa do mundo até que sejas o incêndio da minha voz. As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso jovem da carne, aspiram longamente a nossa vida. As sombras que rodeiam o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto o seu bárbaro fulgor, o rosto divino impresso no lodo, a casa morta, a montanha inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo - aspiram longamente a nossa vida. Por isso é que estamos a morrer na boca um do outro. Por isso é que nos desfazemos no arco do verão, no pensamento da brisa, no sorriso deserto, no peixe, no cubo, no linho, no mosto - no amor mais impossível do que a vida.' - Helder. H.

terça-feira, 16 de julho de 2013

a cinza das horas.

"Olha as minhas mãos. Parecem limpas, não é? E no entanto já mataram, por paixão e por vingança. Por paixão porque aquilo que não me pode pertencer não pertencerá a mais ninguém; e por vingança porque às vezes o sangue limpa a dor da alma, e a honra... Sou dono do dia e da noite, e deste mar que nos há-de levar. Escreve-me, peço-te, enquanto a tua imagem permanece nítida perto de mim (...) É um lugar bom para morrer num poema. Sempre achei que não se deve revisitar os lugares da paixão. São lugares escuros, onde o corpo se move com dificuldade e sufoca. A ausência de alguém alastra neles até doer. Nada resta do que ali vivemos. Porque é do silêncio poroso do anjo mudo, da fala incandescente do seu olhar que, de quando em quando, surge o poema. Vem, antes que os meus olhos só vejam o que tu não vês, e as minhas mãos já não toquem o que tu tocaste...e a tua boca se canse de procurar o que de ti ainda possuo, e do teu nome não reste mais do que uma metade do meu. Noite após noite, falo-te, amo-te sem que o saibas. Posso tocar-te sem sentires sequer a minha presença. Posso estar, sem estar. Trago a cinza das horas nos cabelos e os dias da paixão onde não há dias nenhuns. Trago-te as palavras, e este cigarro que fumaremos a dois... e do mar recolhi esta coroa de rubras escamas e o silêncio dos náufragos. Começamos, então, a imitar a vida um do outro. E abraçados amamo-nos como se fosse a última vez... No entanto, recordo, deixaste-me sobre a pele um rasgão que já não dói. Mas quando a memória da noite consegue trazer-te intacto, fecho os olhos, o corpo e a alma latejam de dor. Dantes, o olhar seduzia e matava outro olhar. Agora, odeio-te por não me pertenceres mais. Odeio-te. Abro os olhos. Regresso ao meu corpo e odeio-te. E, quem sabe se no meio de tanto ódio não te perdoaria - mas ambos sabemos que o perdão não existe." in Anjo Mudo - Al Berto.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Desejado no que eu havia sido.

Foi por todas as vezes que me electrifiquei em ilusões tuas. Sempre que um murmúrio me despertasse a atenção de ti, agarrar-me-ia a isso como se da última vez se tratasse. Entraria por momentos desconhecidos que se perdessem em mim e me deixassem encontrar-te na tua essência. Eu não consigo dar mais do que o tudo, agora posso dizer-te que já fui capaz. Já fui, já não sou. Esqueci-me de todas as vezes que me desvaneci. Da enorme quantidade de súplicas que me sugaram cada gota de pureza matinal. Imaginei-me muitas vezes longe daqui, encontrei-me em diversos contextos ilusórios que me identificavam em tudo o que neles continham. Em nenhum deles estarias tu. Nenhum deles. Porque no desfecho a inconsciência torna-se uma inconstante, voltamos ao que somos e relembramos o imperativo. O imperativo aqui sou eu. Sou eu o de antes. Sou eu o de agora. Serei eu quem há-de vir - vingar-me-ei. Levarei comigo a impiedade dos dias que me roubaram, guardá-la-ei algo indolente sob pélago individual. Não farás parte da inércia contínua dos dias vindouros. Estarás morto. Estarás morto em pensamentos e palavras. Esquecido por entre o meu ego e desejado no que eu havia sido.

terça-feira, 18 de junho de 2013

há noites que são feitas dos meus braços.

"Há noites que são feitas dos meus braços e um silêncio comum às violetas e há sete luas, que são sete traços, de sete noites que nunca foram feitas. Há noites que levamos à cintura, como um cinto de grandes borboletas. Um risco a sangue na nossa carne escura, de uma espada à bainha de um cometa. Há noites que nos deixam para trás enrolados no nosso desencanto. Cisnes brancos que só são iguais à mais longínqua onda do seu canto. Há noites que nos levam para onde o fantasma de nós fica mais perto: e é sempre a nossa voz que nos responde e só o nosso nome estava certo." por Natália Correia.

domingo, 9 de junho de 2013

no teu poema.

No teu poema existe um verso em branco e sem medida. Um corpo que respira, um céu aberto. Janela debruçada para a vida. No teu poema existe a dor calada lá no fundo. O passo da coragem em casa escura. E, aberta, uma varanda para o mundo. Existe um rio. A sina de quem nasce fraco ou forte. O risco, a raiva e a luta de quem cai, ou que resiste. Que vence ou adormece antes da morte. No teu poema existe o grito e o eco da metralha. A dor que sei de cor mas não recito. Os sonos inquietos de quem falha. No teu poema existe a esperança acesa atrás do muro. Existe tudo o mais que ainda escapa. E um verso em branco à espera de futuro. escrito por José Luís.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

um mito a confiar.

Desprendeste-me sempre de mim próprio. Conduziste acções minhas pelo poder omnipresente do calor que mantinhas perto de mim. Nunca foram escolhas singulares e eu nem pretendi que assim fossem. Deixava que ficasses até o teu apetite o desejar, deixava que fosses quando a tua permanência não fizesse mais sentido. Ficaste até hoje. Hoje não faria mais sentido. Hoje o meu corpo não pediria mais calor. Hoje não exigiste mais dependência. Hoje soltamo-nos, para um dia contemplarmos novamente a fusão dos dois. Só acontece hoje, para que o sabor agora amargo a desilusão nos traga num futuro próximo o doce paladar de uma razão que será unanime. Uma resposta que corresponda aos nossos sentidos. Um mito a confiar.

domingo, 2 de junho de 2013

reconciliação pessoal.

Desculpa-me. Desculpa-me todas as vezes que me entreguei e não sabia porquê. Desculpa. Desculpa-me as iluminações das minhas transparências disfarçadas de medo e excitação. Perdoa-me por não te ter esquecido, por não nos ter esquecido. Ignora os míseros milissegundos em que pensei que pudesses ter voltado, que teríamos voltado. A arrogância que trago comigo, foi de ti que a recebi. O medo que eu transporto agora para outros corpos, foi transitório em mim e em ti, quando em união dividíamo-nos em porções iguais. Não existem em mim arrependimentos do que ainda me faz abalar, daquilo que ainda ecoa quando a tua voz é um sentimento ausente e desprotegido de um corpo físico. Eu não tenho em mim espaço para tal enormidade. Não possuo a exactidão dos dias e das horas para que em algum deles me possa golpear por lembranças tuas. Tu tens a liberdade de ir, cedi-a para que a aceitasses. Cedi-a para me proteger. Cedi-a e cedo-a agora uma vez mais, para que em mim a plenitude seja uma constante. Eu quero repousar da atrocidade que representaste, em comunhão com a exigência de uma reconciliação pessoal. - porque no fim "Há Palavras que nos Beijam, como se tivessem Boca".

sexta-feira, 24 de maio de 2013

cemitério ardente da sua morte.

"Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão. Tu não mereces esta cidade, não mereces esta roda de náusea em que giramos até à idiotia. Esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual, esta nossa razão absurda de ser. Não, tu és da cidade aventureira, da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte. Tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso. Onde morres ou vives, não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro, sem a moeda falsa do bem e do mal. Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser, que já é, o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti." .O'Neill

quarta-feira, 10 de abril de 2013

algures nos reencontros.

É num consumo abusivo de melancolia que eu descubro o pior de quem consigo ser. É por onde encontro falhas efusivas de alguém que eu pensava já ter morrido. Mas volta uma vez mais. Volta para se despedir e se fazer notar. Volta para que eu não me esqueça o quanto dói. Volta para me relembrar que sangro uma vez mais e me cubro de medo de quem sou. Tu assustas-me. Assustas-me porque pensas na morte e na vida em simultâneo. Assustas-me porque não descobres a cor que perdeste algures nos reencontros. Assustas-me porque és, a maior parte do tempo, alguém que nunca pretende ir embora e não voltar. Assustas-me porque eu nunca me entrego a momentos, nunca me entrego a emoções, nunca me entrego a seres ausentes, mas entrego-me e entregar-me-ei a algo teu, sempre que não reconhecer uma outra saída.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

aquelas que sangram mais.

Tento sempre que os dias pareçam dias e não memórias sufocantes de concretizações falhadas ou tentativas inúteis de me sentir um ser feliz. A maior verdade de todas reside no facto de nunca ser um desperdício. Todas as tentativas, falhadas ou não, correspondem a menos um obstáculo que me impede de chegar onde preciso. E dói. E custa. Às vezes mata. Por vezes mói. Mas nunca representa um momento neutro. Todos os corpos são feitos de peles rasgadas e cicatrizações rápidas de feridas que nos chegam como males menores. Mas são sempre aquelas que sangram mais. São sempre aquelas que tememos mais vezes. São sempre as mais profundas e as mais invisíveis. São constantemente sentidas, apenas por mim. Tormentas que nos aparecem em sonhos e em pesadelos. Pensamentos ditos inevitáveis que nos ocorrem num instante só.

segunda-feira, 4 de março de 2013

silhuetas & sombras

Quero em mim a paciência que nunca encontro. Quero em mim o calor imundo e insano da pele que foste, da pele que eras, da pele que me encontrava em profundas seduções. Quero sinais diários do teu sorriso. Quero mais do que aquilo que preciso, quero poder dizer o que fui e o que sou em ti. Eu quero mais do que o verbo "querer" me permite. Porque eu de ti só queria infinito, porque eu nunca antes precisei de te querer. Mas é o que eu quero aqui e agora. E peço-te só que não seja um querer que me devora, peço que seja ligeiro, mas juro que não é só um querer por querer. Transcende o querer. Transcende o poder. Limita o olhar. Eu quero mais do que o querer que eu posso. Quero o que quero e o que é nosso, porque é o que é nosso que significa querer. Eu creio, eu creio em algo que não sei se posso querer. E isto faz-me ansiar por aprender, aprender as linhas que se cruzam no teu ... as silhuetas e sombras que tu representas nos dias.. os momentos ausentes em que as palavras vazias se substituem em pensamentos cheio de luz só por ti.