sexta-feira, 29 de novembro de 2013

largar a minha mão de te agarrar.

hoje foi aquele dia em que rabisquei o teu nome sob a pedra da calçada, para me lembrar de ti sempre que por lá passar. foi ali que te deixei. lembrar-me-ei de ti apenas naquele lugar, não te trago mais comigo. apenas rabisquei, não te deixei escrito. rabiscos não são marcas, são sombras em papel. és agora uma sombra que se encontra presa em mim. Existem manhãs onde recebo tudo. manhãs essas nas quais nunca fiz questão de te pedir nada, nunca faço questão de te pedir nada. nunca farei questão de te pedir nada - que isto seja clareza em ti. mesmo assim são manhãs em que recebo sempre tudo. Proclamas as noites por entre espaços vazios, em que eu próprio me tento encontrar por detrás de tudo o que já deixei esconder. por detrás de todos os actos irreflectidos de uma personalidade que as vezes é a minha e outras vezes não. por medo e receio de te negar uma vez mais. E este és tu, nunca eu. transitei-me. moldei-me. reflecti-me. deixei-me e encontrei-me. perdi-me e regressei sempre segundo acções que eram as tuas e deixei que doesse até não aguentar mais dor. até que não tivesse mais nada pelo qual fosse possível sentir-me ausente. hoje e agora manifesto-me, mas num presente junto a mim. sei que querias reter-me à tua maneira, mas querias. e eu só queria que tu quisesses. mesmo querendo, permiti-me largar as amarras, soltar-me deste lance que vai e volta, largar a minha mão de te agarrar. seria incapaz de querer uma vez mais, seria insensato acreditar que me segurasses em ti, mesmo que eu fosse a tua melhor hipótese. mesmo que eu representasse a outra metade ideal. mesmo que fosse comigo uma totalidade exemplar que deveríamos dar a conhecer. a credibilidade do tacto em ti não teria valor. estaria emaranhada em pedaços de nada, que eu havia deixado para trás, junto a cada lugar-comum. foi assim, rabiscando por entre pedras da calçada que hoje eu larguei a minha mão de te agarrar.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

por tanto e igualmente por tão pouco.

percebes agora no teu reflexo o que deixaste perdido em mim. percebes que a insistência me trouxe para longe e que qualquer acção tua se traduz em medo de amar o que jamais pensaste amar. eu estou quando quiseres que eu esteja, apresento-me quando me introduzires em cena e interpreto o meu papel principal, sempre por ti e em ti. mas também sei quando ir embora. sei a ausência, conheço-a em sangue e por detrás da minha vontade de estar perto. sei de todas as vezes em que se torna necessário não querer estar. ver-te de longe numa sedução de olhares. sei olhar para ti e fazer-te querer. tanto quanto sei mostrar o quanto te quero em mim, sempre que precisares de acreditar em nós. sempre que precisares de acreditar que eu acredito no que sou e em quem consigo ser. nunca te vou querer inalterável, muito menos inofensivo, quando sei que isso me leva a perder o pouco que me encontro em ti. o pouco que me deixas sempre ter. o quanto quero desenvolver do pouco presente. o quanto se transforma quando o teu beijo se faz sentir na minha pele fria | aquecida por ti | destruída por nós | amada por tanto e igualmente por tão pouco | 

domingo, 17 de novembro de 2013

em cada lance teu.

perdi coisas em mim. acumulei perdas sucessivas na sequência de tudo o que me agitava os dias e convertia em caos o que julgava ser determinado. perdi. perdi, em oposição a tudo o que acreditava, as crenças de que podemos modificar o que é característico de algo que entendemos susceptível. corrompi todos os detalhes incluídos em cada lance teu. viciei-me em desistências e promovi o meu sucesso. manchei qualquer papel em branco onde eu havia pensado escrever um dia, para não voltar a acreditar que talvez o pudesse fazer mais tarde. Nunca o fiz. Mantive-o sob a sombra daquilo que eu pensava ser. num local que julguei ser o mais indicado. claridade anulada e ausência de quaisquer reflexos teus. E nunca mais o encontrei. não o procurei onde o tinha deixado e sempre que o pensava fazer aniquilava qualquer intenção. Hoje subsistem apenas recordações. Insistem acordadas transições onde pertences, que nem mesmo a tua morte conseguiu ainda cessar. e assim te manténs vivo por aqui.|preso a cada lance meu|

terça-feira, 12 de novembro de 2013

a ínfimos passos de me chegar ao coração.

deixa-me levar tudo comigo. não te peço que simbolize para ti um vazio, peço-te o tudo que a mim me pertence. todos os pequenos detalhes que nunca foram para ti mensuráveis. tudo o que nunca quiseste representar, nem mesmo viver. tudo o que esqueceste que foi um desejo, mesmo que o tenha sido um só segundo. e desculpa-me se hoje te peço que os procures, para que depois os deixes por aí. mas eu preciso levar tudo comigo. se há alguém que lhes deu importância então esse alguém fui eu. sim, eu. nunca vês uma pessoa que possa dar importância a coisas tão indefinidas, das quais me mostro tão distante … mas que se encontram a ínfimos passos de me chegar ao coração. eu tenho um. e para além de o ter eu também acredito nele. procuramos perdermo-nos, todos nós. procuramos uma vontade absurda do consumo de todas as forças na pureza de um momento. procuramos sentir que somos um, quando sob um nada existe alguém. todos queremos essa bagagem de tudo. para que um dia a possamos abrir ante um início. um início que pretendemos cobrir de outros fins. fracassos. falhas marcadas. precauções precisas e avisos anteriores. como que marcas soluçadas sob passados que nos são comuns.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

nunca foram transparências iguais.

deve, ou devia ser o que o tempo nos deixasse escolher como destino possível de amar. deve, ou devia acontecer sempre que o calor amolece o coração gélido dos tempos que nunca foram transparências iguais. deve, ou devia ser a tua impressão digital a enterrar na carne o desejo presente em incoerentes pensamentos que um dia já foram meus. deves, ou devias estar comigo para o relatar. devias. devias mesmo estar comigo para o relatares. devias estar e presentear a desistência de alguém que tanto te quis aqui. transcendo-me na minha própria posição, quando recuo em mim e tento entender-me como sou perante alguém que nunca quis ser. E mesmo hoje sem acreditar, sei que sou eu na inocência dos retrocessos. sei que sou eu quando me falta a força. e sei que sou eu quando me volto a embalar. é por poupares nas palavras que nunca saberás o que tanto te quis dizer, o que sempre quis provar, quem quis que tu tivesses sido.

Al Berto, visita-me ao acordar.

'maravilhar-te as insónias com o paciente crepúsculo da idade. acordar fora do corpo, esquecer o olhar. sobre o pêlo ruivo dos animais beber o fulgor das estrelas no esplendor da alba. nomear-te, para recomeçarmos juntos a vida toda. ensinar-te o segredo dos alquímicos minerais. acender-te um pouco de culpa, na imatura paisagem do coração. eis a travessia que te proponho: amanhecer sem querermos possuir o mundo e no orvalho da noite saciar o desejo adiado. respirar a música inaudível das galáxias. sentir o tremeluzir da água no medo da boca. o amor deve ser esta perseguição de sombras. esta cabeça de mármore decepada. ou este deserto onde o receio de te perder permanece oculto na sujidade antiga dos dias.'

sábado, 2 de novembro de 2013

herói em horas vagas.

| as esferográficas sujam as pálpebras das palavras, constelando os textos com belos gatafunhos. estamos deitados à espera que se dissipe o sono e despertem, na dobra do lençol, os fantasmas quotidianos. o texto autobiográfico irrompe, quase sempre, nos momentos de ócio, nas paragens. | escrevo-te para não me sentir só. risco a palavra capaz de revelar o meu segredo. terei segredos? revelar o quê? se posso rir de mim mesmo sem que isso me doa. apago rapidamente o texto que me reflecte. esfaqueio o rosto que me simula. alinhavo feridas nos pulsos. levo flores à sepultura onde me recolhi para escrever. tenho medo e escrevo-te cartas insensatas. o quarto povoa-se de corpos nascidos duma mancha de tinta. fumo. snifo. fumo cigarro atrás de cigarro. tenho medo. escrevo deitado à luz fraca do candeeiro. o medo solta-se da folha de papel quando o teu reflexo irrompe da máscara que se desfaz. |O.Medo|Al Berto|