sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O'Neill.

"A meu favor. Tenho o verde secreto dos teus olhos. Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor. O tapete que vai partir para o infinito. Esta noite ou uma noite qualquer. A meu favor. As paredes que insultam devagar. Certo refúgio acima do murmúrio. Que da vida corrente teime em vir. O barco escondido pela folhagem. O jardim onde a aventura recomeça."

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pólos opostos.

Não sei até que ponto te desejo por aqui. Não sei até quanto poderia, eventualmente, gostar que estivesses por aqui. Não é o medo de voltar à sensação que tinha quando cá estavas ... é o receio que essa sensação não fosse imaginativa e que fosse uma representação da nossa realidade. Eu vou sair vencedor de qualquer das formas, prometo-me. Eu vou proteger o que é meu, porque isso ninguém o fará por mim. Se porventura, os teus olhos me disserem que afinal a tua complexidade é a favor da minha ... vou sair vencedor porque voltaste a ser pequenas partes de ti quando estás por perto. Porque voltaste a um Ser que normalmente não costumas Ser, porque voltaste a encostar em mim todos os pedidos de alerta de um coração que precisa de controlo, e por isso abraçar-te-ei como forma de me fazer sentir protector de alguém que um dia me fez mal, mas que como todos merece protecção. Se por outro lado, eu vir em ti perdas sucessivas, verdades esquecidas e presenças ausentes em momentos indeterminados ... então sairei vencedor porque não perderei nada mais. Porque se continuasse perderia dignidade e amor próprio. Porque se ficasse ganharia apenas a ilusão de mais um dia. Porque se permanecesse no mesmo sitio que tu, mesmo que a distância não fosse significativa, estaríamos constantemente em pólos opostos.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Horto de Incêndio.

"deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis, vivos e limpos. a dor de todas as ruas vazias. sinto-me capaz de caminhar na língua aguçada deste silêncio. e na sua simplicidade, na sua clareza, no seu abismo. sinto-me capaz de acabar com esse vácuo, e de acabar comigo mesmo. a dor de todas as ruas vazias. mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e dos encontros inesperados. pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora- ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo. a dor de todas as ruas vazias. pois bem, mário - o paraíso sabe-se que chega a lisboa na fragata do alfeite. basta pôr uma lua nervosa no cimo do mastro, e mandar arrear o velame. é isto que é preciso dizer: daqui ninguém sai sem cadastro. a dor de todas as ruas vazias. sujo os olhos com sangue. chove torrencialmente. o filme acabou. não nos conheceremos nunca. a dor de todas as ruas vazias. os poemas adormeceram no desassossego da idade. fulguram na perturbação de um tempo cada dia mais curto. e, por vezes, ouço-os no transe da noite. assolam-me as imagens, rasgam-me as metáforas insidiosas, porcas. ..e nada escrevo. o regresso à escrita terminou. a vida toda fodida - e a alma esburacada por uma agonia tamanho deste mar. a dor de todas as ruas vazias." - Al-Berto.

IX

"Pusemos tanto azul nessa distância ancorada em incerta claridade e ficamos nas paredes do vento a escorrer para tudo o que ele invade. Pusemos tantas flores nas horas breves que secam folhas nas árvores dos dedos. E ficámos cingidos nas estátuas a morder-nos na carne dum segredo." Natália Correia, in "Poemas (1955)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

al berto / lunário

"(...) Um dia, quando a minha memória de homem fugitivo alcançar a idade de um deserto, debruçar-me-ei num poço e tentarei beber o tempo esquecido do teu rosto. Estarei lucidamente morto, eu sei, e os meus olhos já não prenderão a adolescência, nem as imagens que dela se soltaram. E a minha cegueira surgirá cercada por frondosas árvores e pássaros, mas não os verei mais. O rosto, o teu rosto, já não conseguirá atrair-me para o fundo circular do poço. O tempo de sedução terminou. Terás de me tocar, terás de trocar o tacto dos olhos pelo tacto dos dedos. Apenas persistirá o jogo, a cumplicidade, e uma ténue vibração do corpo que se perdeu contra o meu corpo. Por isso me ergo daqui e atravesso estas imagens coladas às paredes, e ao atravessá-las descubro que estou perdido, e condenado também a perder-te. Levanto-me do fundo de mim mesmo e abandono a casa, os bens que herdei, e vou pela memória daqueles vestígios que se me cravaram no interior das pálpebras, mas não semeio nem recolho nada. Apenas persigo os passos que outrora abandonei pelas cidades onde te procurei, antes mesmo de saber que existias. E perco-me, perco-me onde a sombra dos corpos é um sudário de melancolia sobre o mar. Mas, ainda aqui estou, quase vivo, atento ao movimento perene de tuas mãos sobre o meu corpo. E sem bússola, nómada até aos ossos, sigo pela noite onde aportei, e não reconheço a casa que me destinaram para morrer. (...) As cidades seduziram-me com imagens de abismos subterrâneos, vertigens de esperma que se vende, compra e troca. E sonhar com essas cidades de medo e fascínio é ainda uma maneira de saciar parte do desejo que me assola. Mas já só existo no que de mim se cristalizou nas palavras, e é tão pouco... De imobilidade em imobilidade a vida avançou, avançou por ininteligíveis iluminações. Hoje, neste fim de século, desloco-me sem saber como dentro das fotografias que revestem as paredes deste quarto. E é-me indiferente estar aqui. Sempre que posso fujo, fujo no olhar que cegou o meu. Porque eu fujo e vou com tudo aquilo que me chama e toca. Vou com o azul dos olhos do marçano ali da esquina, vou com as folhas das árvores no outono da minha rua, vou com a noite à procura da manhã sobre o rio. Vou pelos arranha-céus acima e contemplo dos altos terraços o sono esbranquiçado dos mortos. Vou com o teu corpo que me desgasta a memória doutros corpos e me transforma em esquecimento... vou, vou sempre, pela humidade dos cardos presos em tua boca. Abro depois as mãos, e não há mar nas suas linhas, nem barcos que venham descansar na ponta dos dedos, e a linha do coração - repara - é uma calosidade. E por uma noite da imensa cegueira, quando já morar definitivamente em ti, abandonar-te-ei... à hora dos répteis recolherem o calor nas fissuras do tempo. Intacto, irei à procura do merecido repouso." - al berto, lunário 1999

sábado, 10 de novembro de 2012

Vibrações.

Pequenas coisas tornam-se essenciais se as virmos como gigantescas entre as outras tantas que nos passam despercebidas. Talvez não sejam gigantescas porque as vemos como tal ... mas sim por as sentirmos com uma intensidade superior às outras. Por se destacarem perante o ridículo da situação. Ou simplesmente por criarem borboletas no estômago e as outras não serem capazes de o fazer. Eu não tenho sempre a certeza do que quero fazer amanhã, mas sei onde vou estar num tempo futuro e próximo do meu objectivo final. E o não saber hoje o que esperar de um dia que virá a seguir, poderá ser a fonte que precisamos para repor energias e sentir as vibrações na criação de um momento melhor. Não tenho qualquer tipo de problema em dizer que sinto as lágrimas escorrerem-me no rosto sempre que tenho medo de me sentir assim, mas nem assim deixo de ser eu próprio. Acredito na maioria das coisas que as pessoas vêm apenas como fantasias e nas quais todos os dias tentam que eu deixe de acreditar. Não vou ceder tão cedo ao mundo dos comuns mortais, eu gosto do celestial e paradisíaco sabor da ilusão. Gosto de sentir o sonho impulsionar os meus dias e fazer-me crer que acredito em tudo o que vivo .. em tudo o que sinto .. em tudo o que exploro de mim próprio e de alguém. Por razões como estas, deixo-me sempre ficar, deixo-me sempre chorar, gritar, sorrir, crer ... porque todos os dias devem servir para amanhã tentar mais e melhor, mas nem tudo é simples e eficaz.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Timing.

Faço dos meus dias pensamentos e construções do que vivo em mim. Sinto-os com arrogância e exaltação porque não sei se os consigo amarrar ao presente, ao presente de um dia escolhido entre todos os dias de um calendário de emoções. Ao presente representado num futuro próximo de nós. Ao presente onde está recalcado um passado de medos e angústias que eu temo que sejam reproduzidas uma vez mais. É de olhos fechados que relaxo cada músculo do meu corpo, que deixo as emoções soltas por si só, que me perco entre os padrões confusos das esferas aniquiladas por ti. Mas nem os momentos mais calmos são suficientes para eu acreditar no inacreditável. Nem as tentativas que faço serviram para que eu me iludisse e pensasse que agora seria o timing perfeito. Mas a culpa não é só minha. Os medos não surgem de individualidades. Eu não acreditaria que estaria escuro se não tivesse presenciado a escuridão acompanhado por alguém. Porque eu não soletraria o medo, o pavor, a desilusão ... se todas estas palavras fossem de ordem singular e vivessem unicamente no interior de cada um de nós. Se eu acredito que existem, é porque as identifiquei nos outros.